
Abandono
Na mesa, um prato
e uma taça de vinho.
No chão, um gato,
carregando um ratinho.
Era tarde, quase madrugada.
O silêncio da noite me perturbava.
Pouca gente na rua iluminada
pela lua cheia que brilhava.
Um livro mal colocado
chamava a minha atenção
na estante do meu lado.
Cem anos de solidão.
Não queria, mas sem sono
não restaria outra opção
que não aceitar meu abandono
e enfrentar aquela situação.
Mais vinho tinto, talvez.
Um pouco mais de queijo prato.
É o que me resta desta vez
na companhia do velho gato.
Há anos, desde minha viuvez
não faço nada além de sobreviver,
dia após dia, para manter minha altivez,
apesar de todo dia, rezar para morrer.
Pedem-me dignidade,
mas de que adianta tanta sensatez
se a tal humanidade
falhou outra vez?
Não abandonei o mundo
por pura covardia.
Afinal, esse planeta moribumdo
não vale tanta ousadia.
Por isso, não mais reclamo
das agruras existenciais
e do meu claustro conclamo
Gabriel García Márquez.