Antonio Calloni, poemas
O material de pesca e a gravata Ermenegildo Zegna
tenho que arrumar
meu material de pesca
por isso não posso
começar a poesia
uma gota de suor impede o desejo
não arrumo
não escrevo
está quente e a vontade é cachorra
ontem comi minha fêmea
no meio do nada
no meio do gosto
no meio da noite
o escuro é vilão
(É a falta de um formato que produz a dúvida: carretilha ou molinete?)
meu desejo duro na sua boca
meu dedo judiando um pedaço
que é só meu
e o Tempo assistindo todo o vigor
não fazia nada
porque nada a fazer
era sua função no momento
(É o mundo moderno que não sabe a questão adequada? Qual o melhor anzol?)
subjugado o Tempo
pelo gozo violento
esquece os ponteiros
esquece a morte e seus cheiros
finda a doce guerra
corpos mais vivos
é puro repouso
e o retorno do Tempo
agora tímido servo
de corpos dormidos
talvez redimidos
de alguma intempérie
agridoce tempero dos ventos
retoma seu caminhar
o Tempo
no Tempo
de corpos mais vivos
sem nenhum documento
não dorme e não sonha
prazeres humanos
e eu ainda sem Tempo
tenho que comprar uma
gravata
Ermenegildo Zegna
para combinar com meu
costume italiano
também
Ermenegildo Zegna
por isso não posso terminar a poesia
que o Tempo não começou
minha alma vociferou
ridículo
a alma
e o vociferou
a dúvida é marrom
a questão obedece ao mesmo tom
fosse o terno mais terno
talvez não fosse tão bom
(É em alguma superfície ou pele que a compreensão da vida acontece?)
tecido nobre
poema pobre
trabalhado à mão
pele macia
marrom
paralelo escolar
(explicação: o tecido do terno no mesmo tom)
uma caixa que chega pelo sedex
compre pela internet!
existe pobreza na alma
existe riqueza na alma
difícil caminho
talvez virtual
porque finito
e eu sem Tempo
de fazer um poema
porque o mundo me arrebentou
um pedaço arruma
um pedaço compra
e o pedaço que vive
e ama
está muito bem vestido
reverencia o mar
e ainda é capaz (não tenha medo)
de morrer
algumas vezes
sob ritmo bestial e
macio
de
um
surpreendente
baterista de Jazz
Mandem presentes para mim
mandem presentes para mim
muitos presentes
muitas caixas
volumosas
pequenas
com laços
ou sem
mandem presentes para mim
muitos presentes
artesanais
industriais
com afeto
com defeitos
mandem presentes para mim
com embrulhos originais
comuns também servem
leves
pesados
perecíveis
eternos
mandem presentes para mim
mandem a espingarda paterna inutilizada
o Santo Antonio da mãe
a casa eterna da infância
as irmãs restituídas
a avenida de nome Iraí
onde a merda da rima nasceu
lugar onde eu cresci
mandem presentes para mim
do céu
do inferno
do pai
do filho
do espírito nem sempre santo
mandem presentes para mim
mandem caixas
e mais caixas
mantimentos
coisas inúteis (fundamentais para o bom funcionamento
da alma)
objetos com design moderno
um sentimento
mandem presentes para mim
mandem desespero
tempero
um par de alegrias
alergia eu já tenho
mandem um teto solar
o sexo da puta
mandem dinheiro
relógios de ouro
mandem meu reflexo
uma armadilha
mandem a história de Narciso
para eu embrulhar o peixe
mandem presentes para mim
muitas caixas
brinquedos
bonecos do Star Wars
quero viver com sorte!
mandem presentes para mim
se não mandar eu mesmo compro
sem parar
que a tristeza é tão indecentemente óbvia
quem falar em carência leva um tiro!
quem falar em sublimação é um bosta!
meu desejo é legítimo!
quero vencer a morte!
quero vencer a morte!
quero vencer a morte!
mandem presentes para mim
( leia mais poemas de Antonio Calonni )
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Antonio Calloni é um ator, poeta, cantor, escritor, produtor e dublador brasileiro. Entre seus livros, destacam-se Os infantes de dezembro (1999), Paisagem vista do trem (Papirus Sete Mares, 2008) e Filho da noite (Editora Valentina, 2020). Instagram: @antonio_calloni.

Foto: Fabio Cordeiro/Ed. Globo
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[ Regras ]
Os interessados deverão enviar os poemas para giovanimiguez@gmail.com seguindo as seguintes orientações:
1. enviar, em arquivo word com até três poemas, um conto ou uma crônica de no máximo uma pagina cada, fonte Arial 12, paragrafo 1,5.
2. no final dos uma biografia de até 5 linhas, informando o seu perfil no Instagram.
3. anexar ao e-mail uma foto sua na horizontal.
4. deve constar no assunto do e-mail informações no seguinte formato: "Umanisté blog - Submissão de texto autoral - Nome".
5. Você poderá enviar até dois textos em cada gênero, desde que estejam cada texto em arquivos separados.
Espero seu texto!