Gritos à classe eremita
I.
Exprimo minha arte,
espremo minha poesia
para entender a tal cidadania
que vendem por toda parte
como um sagrado direito,
mas que vem com defeito.
Na periferia,
o braço do Estado oprime,
mas faz acreditar que reprime
o cidadão que caminha
carregando sua melanina
sem cometer um único crime.
II.
A pele negra é o crime
que ele carrega como estigma.
Como isso deprime!
Que lástima!
Tantas vítimas sendo lesadas
na sua auto-estima.
Mas, as verdades têm sido reveladas
nas câmeras instaladas.
Negros estão sendo pisoteados.
Negros, não! Cidadãos!
Qual crime cometeram?
Terem sido abandonados desde a escravidão.
III.
As pessoas passam,
alguns olham e outros ignoram.
"Não é comigo", pensa o cidadão.
"Deve ser bandido", acusa o patrão.
Afinal, é negro e quem se importa
com o que se passa além da minha porta.
A indiferença que eu vejo
deveria ser crime hediondo,
mas ela nem causa tanto alvoroço,
se não produz algum estrondo
no sossego do meu almoço.
Não dói o que não vejo.
IV.
Vivemos um isolamento social,
muito antes do vírus dar o seu sinal
de vida e nos colocar confinados
no nosso mundo.
Lá fora há cidadãos discriminados,
muros e um abismo profundo.
Do lado de cá,
nós, a burguesia vassala.
Do lado de lá,
eles, na pobreza em larga escala.
E há um nós, nós e eles,
manipulados por quem manda de verdade
V.
Nesse mundo de tanta baderna,
precisei, eremita que sou, sair de mim,
abandonar minha profunda caverna
para enxergar que, há algo além de mim:
há gente sofrendo, morrendo, sendo oprimida
por uma polícia que não a faz sentir-se protegida.
Uma multidão de pobres e pretos
está confinada em seus guetos,
físicos e emocionais e de lá grita,
mas ninguém às ouve e ela se irrita
com tanta indiferença da classe eremita
com seu vergonhoso "deixa quieto".
( Vidas pretas importam!)
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