
Henriqueta Lisboa, poemas e obra

SOFRIMENTO
No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.
Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.
A música, muito além
do instrumento.
Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso,
Ficou o selo, o remate
da obra.
A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.
O maravilhoso. O imortal.
O que se perdeu foi pouco.
Mas era o que eu mais amava.
OS LÍRIOS
Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.
Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.
Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.
Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.
Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.
Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.
SERENA
Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.
E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.

Foto: Divulgação
OBRA COMPLETA
A obra da poeta, tradutora e crítica literária Henriqueta Lisboa (1901-1985), contemplada com o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras em 1984, encontra-se aqui reunida em três volumes: Poesia, Poesia traduzida e Prosa, acrescidos de conteúdo no site da autora, com indicações para outros aspectos de sua rica e intensa produção intelectual e artística. Ao dar contornos ao perfil cultural de Henriqueta, esta edição, organizada por Wander de Melo Miranda e Reinaldo Marques, certamente contribuirá para a melhor compreensão dessa figura singular das letras brasileiras.
A coleção de documentos pessoais e cartas trocadas com escritores, críticos e intelectuais do Brasil e de outros países encontra-se disponível no Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais.
Em 2021 completam-se 120 anos do nascimento de Henriqueta Lisboa (1901-1985).
+ sobre Henriqueta Lisboa no site da Editora Peiropolis
LEITURA POÉTICA
A Academia Mineira de Letras, privilegiada por ter Henriqueta Lisboa como a primeira mulher a fazer parte de seu seleto quadro de autores, produziu o vídeo abaixo reproduzido, disponível no canal institucional, com Ana Elisa Ribeiro, Flávia de Queiroz e Luciana Pimenta.
“A obra poética de Henriqueta Lisboa, ao longo de vinte livros, apresenta um lento e contínuo processo de incorporação da natureza da poesia e de domínio da técnica do verso. Revela uma meticulosa tomada de consciência de que o elemento subjetivo só pode se objetivar por meio da linguagem – verbal, musical ou plástica. Para a poeta, essas linguagens encontram na poesia sua instância essencial e propulsora. Seu percurso evidencia um paulatino aprendizado em que se mesclam ingredientes tanto racionais e deliberados quanto intuitivos e próprios à sensibilidade feminina, no sentido de construção de um projeto poético especial. Nesse sentido, são significativas suas escolhas de leitura, com preferência pelos clássicos da língua portuguesa, por simbolistas franceses, românticos ingleses, místicos espanhóis e poetas modernos, como Mário e Drummond, Ungaretti e Jorge Guillén, a que se somam Dante, Leopardi, Hölderlin, Rilke, Tagore, entre outros. À leitura desses autores importantes para sua formação soube a poeta agregar o estudo de outros idiomas, o contato com novos poetas, a atenção à expressão vocabular, procedimentos e hábitos valiosos no sentido do domínio da técnica poética, num percurso que contou em certo período com o acompanhamento e a amizade de Mário de Andrade, com quem manteve uma longa e preciosa correspondência. Ao longo do vídeo, os espectadores acompanham a leitura com visualização de ‘marcas-d’água’. Elas buscam retratar a escritora, as capas de seus livros e as muitas ilustrações presentes em suas publicações. Além das palestras on-line inéditas a serem lançadas como parte da programação 2020, a Academia Mineira de Letras disponibiliza mais de duzentas palestras realizadas para que o público possa ver e rever. Durante o isolamento social, as redes sociais da instituição também estão repletas de poesias, crônicas e dicas de leitura.”
(Academia Mineira de Letras – Canal do Youtube)
120 ANOS DE HENRIQUETA
Henriqueta Lisboa fez brotar “do silêncio e da sombra [de] sua morada” páginas de poesia “delicadamente, sem atropelos das modas, liricamente”, como atesta Affonso Romano de Sant’Anna. E, agora, nas mais de 2 mil páginas de sua Obra completa, pode-se conhecer de sua prosa e de sua poesia, “não importa se ela esteja no fundo do poço ou no voo do pássaro”, ou escrita em outra língua, que ela transpôs para a nossa, para “orgulho de nossas letras”, segundo Carlos Drummond de Andrade.
( INFORMAÇÕES DO SITE DA EDITORA )